Ter uma criança sob cuidados, seja como pai, mãe, avós, tios, professores é uma
tarefa de muita responsabilidade. Em geral, quando pensamos em responsabilidade
nos remetemos automaticamente para os cuidados com a saúde, segurança,
educação, lazer, entre outros.
Entretanto, há uma responsabilidade e um cuidado, em geral,
pouco reconhecido e valorizado relacionado ao modo como reforçamos a formação
de esquemas ou crenças para as crianças. Como já sabemos, não adianta recomendar
fazer o que se diz e não fazer o que se faz. Os esquemas dos adultos são fortes
e determinantes referências para a formação dos esquemas que se formam na
infância.
Mas, afinal, o que são esquemas?
O esquema é a lente pela qual vemos o mundo, ou seja, são o conjunto de crenças que influenciam os pensamentos e as emoções sobre o indivíduo e
sobre o mundo.
Os esquemas ou crenças podem ser adaptativos ou funcionais
quando nos favorecem, contribuindo para uma percepção ampla e clara de nós
mesmos e do mundo; ou desadaptativos ou disfuncionais, quando fecham e limitam
a nossa percepção, como verdades absolutas inflexíveis à questionamentos e
mudanças. É como aquele sapato que é pequeno e não serve no pé, mas o indivíduo
não reconhece que necessita de sapatos maiores. Seu movimento passa a ser de encolher
os dedos ou até mutilá-los para continuar com os mesmos sapatos, ou seja,
garantir a perpetuação do esquema.
Essa influencia do esquema é inconsciente, o que faz com que
o indivíduo não consiga desafiá-lo e confrontá-lo de maneira racional. Os
pensamentos e sentimentos se tornam disfuncionais a medida que os esquemas influenciam
de modo negativo, automático, e desencadeiam reações ou comportamentos de
evitação à determinadas situações.
Os esquemas são identificados no processo terapêutico,
podendo assim se tornarem conscientes e manejados racionalmente, tornando-se
mais adaptativos e funcionais, permitindo assim o enfrentamento e superação de
determinadas situações limitantes.
Essa é a base do tratamento. Entretanto, podemos falar
também e especialmente de prevenção.
A prevenção de esquemas desadaptativos ou disfuncionais se dá a partir das
pessoas significativas que participam do processo de formação da criança,
principalmente seus pais, familiares e professores.
Como alguns comportamentos dos adultos influenciam na
formação de esquemas desadaptativos ou disfuncionais?
- Privação emocional:
a criança vive o abandono afetivo. Não tem suas necessidades emocionais
primárias supridas (afeto, proteção, empatia, cuidados). Esquema/Conseqüências:
crença na incapacidade de ser amada por outra pessoa.
- Abandono/instabilidade:
a criança vive a inconstância no suprimento de suas necessidades básicas. Vivencia
oscilações e perdas freqüentes e significativas seja de pessoas,
relacionamentos, coisas, etc. Esquema/Conseqüências:
crença que sofrerá uma perda iminente. Sentimento de que não adianta investir,
pois vai perder.
- Desconfiança: a
criança vive situações de abuso físico e/ou emocional no ambiente familiar ou escolar. Esquema/Conseqüências: crença de que será passado pra trás. Desconfiança
na intenção das pessoas. Comportamentos defensivos e de ataque antecipado.
- Vergonha: a
criança é constantemente criticada pelos adultos significativos. Esquema/Conseqüências:
crença de não ser digno de amor e de coisas boas. Dificuldades para receber
feedback positivo.
- Fracasso: a
criança vive a carência de apoio e incentivo para realizar suas atividades e
frequentemente é desprezada e rotulada de incapaz. Esquema/Conseqüências:
crença de incapacidade. Para não fracassar nem tenta.
- Dependência/incompetência:
a criança não é estimulada a ser independente e a confiar em sua capacidade de
cuidar de si mesma. Esquema/Conseqüências:
crença de incapacidade e incompetência em sua autonomia. Dependência dos
outros. Dúvidas e indecisão quando tem que fazer escolhas.
- Vulnerabilidade a
danos e doenças: a criança convive com adultos ansiosos que passam a idéia
constante de que o mundo é um lugar perigoso. Esquema/Conseqüências:
crença de que o mundo é um lugar perigoso e que precisa se proteger. Ansiedade.
Pensamentos disfuncionais (automáticos e catastróficos). Preocupações excessivas.
Comportamento evitativo.
- Subjugação: a criança vive com adultos controladores que
não lhe permitem expressar seus desejos e sentimentos. Esquema/Conseqüências:
crença na necessidade de ser controlado pelos outros a fim de evitar problemas.
Medo de ser rejeitado se não agradar os outros.
- Autosacrifício:
a criança convive com adultos com problemas
de saúde, alcoolismo, etc. necessita cuidar de si ou de outros desde muito cedo. Esquema/Conseqüências:
crença de que as necessidades dos outros são
mais importantes que as suas. Sentimento de culpa quando presta atenção
nas próprias necessidades.
- Inibição emocional:
a criança é encorajada a conter as emoções para não correr o risco de perder o
controle. Esquema/Conseqüências:
crença que algumas emoções, como a raiva, são perigosas, por isso, devem ser
inibidas. Sua expressão representa risco para a imagem pessoal, pois pode levar
ao descontrole, impulsividade e rejeição. Contenção emocional e perda da
espontaneidade.
- Inflexibilidade/crítica: a criança convive com adultos que nunca estão
satisfeitos com o que ela faz. Condicionam afeto a um desempenho excepcional. Esquema/Conseqüências:
a crença de insuficiência, ou seja, nada do que faz é suficientemente bom. Sempre
deve se esforçar mais. Ênfase em valores como status, poder e riqueza em
detrimento de valores como interação social saúde ou felicidade.
- Merecimento/grandiosidade: a criança convive com adultos permissivos e
que falham na colocação dos limites sociais. Pode estar sofrendo de privação
emocional. Esquema/Conseqüências:
crença de que a pessoa poderia fazer, dizer ou ter tudo o que quisesse ,
independente do que isso poderia causar aos outros. Desinteresse na necessidade
dos outros.
- Autocontrole ou
autodisciplina insuficientes: a criança não recebeu modelagem dos pais para
autocontrole e recebeu disciplina insuficiente. Esquema/Conseqüências:
crença na incapacidade de conter impulsos e emoções. Intolerância à frustração. Quando
a falta de autocontrole é extrema há risco de comportamentos criminosos ou
aditivos.
Young, Jeffrey E. – Terapia cognitiva para Transtornos de
Personalidade: Uma abordagem focada em esquemas – Artmed, 2003.
http://noranadirsoares.site.med.br/index.asp?PageName=esquemas-cognitivos-mal-adaptativos